Comunidade Quilombola do Cumbe: Resistência e Luta pela Demarcação e Titulação do Território Quilombola

http://www.redentoristasfortaleza.org.br/nota/733

23/02/2017

Por João do Cumbe*
A Comunidade Quilombola do Cumbe se localiza no município de Aracati, litoral leste do Ceará. A maioria de sua população é negra e formada por pescadores e pescadoras que se relacionam intimamente com manguezais, carnaubais, dunas, gamboas, rio e mar, componentes vivos do território tradicional.
A palavra “Cumbe” é de origem africana e quer dizer “quilombo”. Nas línguas advindas de Congo/Angola tem o sentido de sol, luz, fogo, dia, da força trançada ao poder dos reis e à uma forma própria de elaborar e compreender a vida.
No passado, a comunidade ficou conhecida por produzir uma das melhores aguardentes, famosa no Ceará inteiro. Os livros de história de Aracati e do estado se omitem ao não revelar a identidade das pessoas que trabalhavam na plantação da cana-de-açúcar e na produção da cachaça.
Nos anos 1970, o Cumbe passa a fornecer água de seus lençóis freáticos, favorecidos por conta das dunas, para abastecer a população de Aracati. Neste período, a água, bem natural de uso comum e gratuito, passa a ser privatizada. As famílias agora pagam caro por ela. o descontrolado uso dos mananciais muda a paisagem. Fauna e flora são impactadas. Poços artesanais começam a salgar. Inicia-se um conflito que dura até hoje com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará – CAGECE.
A década de 1990 é marcada por uma surpresa ingrata: a chegada da carcinicultura – criação empresarial de camarão. A atividade, após destruir os manguezais no Equador, expulsar os pescadores/as de seus territórios e desenvolver a mancha branca, doença ocasionada pela superpopulação dos cultivos e o uso intensivo de produtos químicos, vem invadir os mangues e privatizar os espaços tradicionais, até então de uso coletivo, aqui no Brasil, sendo o Cumbe um dos primeiros locais de desembarque. As fazendas de camarão violam direitos garantidos constitucionalmente, geram injustiça ambiental, mas igualmente resistência, pois muitas são as comunidades e movimentos que se uniram contra esse Golias travestido de progresso.
Em 2008, a instalação de três parques de energia eólica privatizou as dunas da comunidade. A “energia limpa” se impôs sobre a vida local, desconsiderando-a, soterrando lagoas e destruindo dezenas de sítios arqueológicos, históricos e pré-históricos. Registros de um povo que habitou a região do Cumbe há 12 mil anos. O que acirrou ainda mais os conflitos.
Nesse período, nasce a OPA, Organização Popular de Aracati, unificando as lutas dos povos do campo e da cidade, contra o capital e seus empreendimentos. Em meio a guerra instaurada, o Quilombo do Cumbe respira.
Atualmente, os conflitos se intensificaram. A luta popular avança e entrou na fase de demarcação do território tradicional quilombola. Os empresários reagiram, a especulação imobiliária não ficou de fora, difamando e ameaçando lideranças, questionando a validade do certificado de reconhecimento por parte da Fundação Palmares. Querem apagar a história e, para isso, estão utilizando pessoas da própria comunidade. Jogando família contra família. Nas terras de Dragão do Mar, conhecido lutador negro e abolicionista, o direito à memória é violado em praça pública, com a cumplicidade de políticos locais e de fora.
Mas o Cumbe não está só. Através da OPA e de parcerias com diversos movimentos sociais, construiu-se uma rede de solidariedade entorno da causa quilombola. Cobramos das instituições públicas nada mais que o cumprimento das leis que asseguram os direitos de nossas comunidades, o reconhecimento e proteção de nossa cultura, de nossos direitos econômicos e políticos, presentes na Constituição Federal de 1988, nos artigos 215 e 216 e no artigo 68, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
#TerritórioQuilombolaLivreJá#
*João do Cumbe é membro da Associação Quilombola do Cumbe e da Organização Popular (OPA).

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