Jornal "O Jaguaribe" de 10 de feveriro de 1898: Impressões de um passeio ao Cumbe
Domingo 10 de Fevereiro de 1898
O JAGUARIBE
Impressões
de um passeio
É um dia verdadeiramente
feliz aquele que se passa longe do bulício das cidades completamente esquecido
das lutas e das fadigas da véspera, tendo diante dos olhos o gigante espetáculo
de uma esplendida e caprichosa natureza, que nos encanta a vista, e nos convida
a fundas meditações.
Tal foi o dia que nos
proporcionou-nos o nosso amável amigo, o ativo e acreditado comerciante desta
cidade, o Sr. Abel Francisco Lopes, convidando-nos para passarmos a noite do
sábado e o dia de domingo no “Cumbe” no ameno e aprazível sítio de propriedade
do seu velho e honrado pai o Sr. Antonio Francisco Lopes, o melhor e o mais bem
cultivado que temos visto nestas paragens.
E foi um dia verdadeiramente
feliz, pois usando de uma palavra bíblica, feliz e cheia porque nada faltou-nos
desde a boa e clássica água de coco verde até o proverbial champagne,
desde a ótima merenda até a abundante mesa de campo, provida do melhor peixe
dos viveiros do Sr. Lopes, e tudo isto retemperado pelos excessivos agrados e
amabilidade de sua família: feliz e cheio ainda porque foi um dia de áurea paz
na alma, sem paixões ruins que nos agitassem, gozando já antecipadamente, dos
gozos de uma meia bem-aventurança, verdadeiro seio de Abraão.
As 5 horas da tarde de
sábado seguimos em companhia do ilustre Coronel João Adolfo Gurgel do Amaral,
em uma canoa por sobre as marulhosas água do poético Jaguaribe, e 2 horas
depois chegamos ao desejado Cumbe, onde já encontramos, com antecedência de ½ hora,
a cavalgada que daqui havia seguido por terra, composta de 12 cavalheiros, isto
é, da quase totalidade dos “convivas” e da qual éramos apenas fração muito
insignificante.
Ficamos maravilhados ante
essa cena intima campestre, cheia de tanta cordialidade como de harmonia, tendo
como nota repercutiva e predominante neste concerto de satisfação e de alegria,
o nosso estimável amigo e simpático e popular Coronel Antonio Rodrigues da
Silva Figuereido.
Até as 9 horas tocou-se,
cantou-se, dançou-se, e palestrou-se: depois tomou-se banho e, finalmente,
serviu-se uma lauta e variada ceia de peixes, regada com generosos vinhos.
Seriam 11 horas quando
deitamo-nos, ocupando cada um a sua alva e macia rede, em um alpendre em volta
da casa de vivenda, tendo por companheiras de nossa noite as estrelas do
firmamento e as travessas brisas, que brincavam nas varandas das nossas camas
aéreas.
Dormimos como bem
aventurados...
As 6 horas da manhã já os
cavalos estavam encilhados: montamos e fomos todos percorrer as admiráveis
cercanias do “Cumbe” em uma área de mais de uma légua.
Tivemos ocasião de
admirar o assombroso espetáculo de como um morro, sem boca nem guela engule os
sítios que estão colocados em sua marcha devastadora!
É assim que já existe
soterrado pelas areias um sítio destas paragens, outro começa ser invadido e,
mais tarde, elas, terão avassalhado tudo quanto achar-se na direção de sua
carreira.
As 10 horas da manhã
estávamos de volta. Descansamos cerca de uma hora, tomou-se banho e serviu-se o
almoço ao ½ dia.
Correu como era de
esperar.
Comeu-se, bebeu-se,
brindou-se aos amigos, e tudo isto com expansões de prazer e alegria.
Terminou o almoço a 1
hora e até as 5 horas passamos à sombra de um vasto telheiro, junto a casa onde
está montado o aparelho da destilação, em esplendida sesta, mas sesta
vigilante, em agradável palestra, vasta prosa, bens ditos e bem temperadas
anedotas e tudo isto regado com fresca água de coco, caldo de cana, boa água de
vida do Cumbe, cerveja, cidra, cognac.
As 5 horas serviu-se o jantar,
exclusivamente preparado com os habitantes do humido elemento, e apesar dos
protesto quase que unanimes, que todos faziam, de nada mais comerem, ao
aproximarem-se da piscosa mesa, soberbamente provocante, nenhum dispensou o seu
talher, e antes, parecia mais uma porfia de gastrônomos do que uma mesa de
fartos pela saciedade.
Comeu-se a bom comer, e o
pior e que aproximava-se a hora de dissermos o nosso adeus de despedida ao
aprazível sítio do Cumbe e a generosa família do nosso amigo Abel Lopes, que tantas
atenções e amabilidades dispensou-nos.
A hora soou ... Eram 6 horas.
O sol mergulhava-se no
oceano do infinito, deixando ter ternamente espalhados no mármore do espaço os
seus últimos clarões, com o imenso rubor de seu beijo de despedida estampado na
face da natureza.
Foi esta hora que
montamos a cavalo, e cheios de saudades e gratidão, deixamos o “Cumbe” tomando
por entre soberbos combros de areia, caminho da “Beirada” que conduzia-nos à
cidade.
As 7 horas e ½ da noite
desapeou-se a nossa cavalgada, e cada um procurou os seus lares amigos, tão
esquecidos durante uma noite e um dia ante os atrativos do “Cumbe” e as amabilidades
do nosso generoso hospedador.
Zé Correia
Este é o relato do passeio ao Cumbe no ano
de 1898 que encontrei no jornal “O Jaguaribe”. Espero que possa servir como ilustrar
algum documento a respeito do Cumbe.
Um
abraço
Antero
12/2/99
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