Previdencia Social - Zona Costeira

PREVIDÊNCIA SOCIAL: Apontamentos sobre os direitos dos Povos da Zona Costeira

O MAR

Necessito do mar porque me ensina:
não sei se aprendo música ou sabedoria:
não sei se é uma onda solitária ou um ser profundo
Ou se é só voz rouca e deslumbrante
implícita de peixes e de navios
O fato é que mesmo antes de adormecer
De alguma forma magnética vagueio
Pela universidade das ondas.
Não são apenas as conchas trituradas
como se algum planeta trêmulo
começasse a mostrar sinais de morte lenta.
Não, a partir de um fragmento eu reconstruo o dia;
De um grão de sal uma estalactite;
E de uma colherada um deus imenso.
Aquilo que ele me ensinou eu guardo. É o ar,
o ventos incessantes, a água e a areia.
Pode parecer pouco para um homem jovem
Que vive aqui com os seus próprios incêndios
E não obstante o movimento que o faz subir
E descer ao seu abismo
O frio azul que estala,
A estrela que perde o seu fulgor
O suave rebentar da onda
Desperdiçando a neve com a espuma

O poder silencioso ali tão certo
Como um trono de pedra na profundidade,
Substituiu o mundo em que crescia
Obstinada tristeza, acumulando esquecimento
E a minha existência mudou bruscamente
E eu aderi ao movimento puro.
Pablo Neruda


A previdência social é um dos direitos assegurados pela Seguridade Social, que compreende um conjunto de ações do poder público e da sociedade destinado a assegurar, além do direito à previdência, o direito à saúde e à assistência social.
Enquanto os direitos à saúde e à assistência social independem de pagamento e são irrestritos, dependendo, no segundo caso, apenas da comprovação da necessidade do assistido, a previdência social, por sua vez, tem um caráter contributivo e de filiação obrigatória. Assim, no caso do benefício assistencial à pessoa idosa ou com deficiência, não há necessidade de nenhum outro requisito além da comprovação da idade ou da deficiência e da impossibilidade de prover seu próprio sustento.
Em razão da manutenção do equilíbrio da previdência social depender em parte dos próprios segurados, o discurso neoliberal alardeia há muito tempo a existência de um rombo, de um déficit nas contas da previdência que a teria tornado inviável. A tese apocalíptica, no entanto, é falsa e visa, tão somente, favorecer os grandes fundos de pensão e aumentar a fatia dos bancos na área da previdência privada, privatizando totalmente o sistema e liberando recursos que, no sistema público, estão atrelados a gastos sociais. A “mágica contábil” que transforma em déficit um saldo positivo de mais de oito bilhões de reais é simples: trata-se de desconsiderar receitas que ajudam a financiar o sistema, considerando para o cálculo do “saldo previdenciário” apenas as contribuições do empregador e dos trabalhadores ao INSS. Além dessas, financiam o sistema diversas outras contribuições como a COFINS[1] e a CSLL[2].
É por isso que durante décadas o INSS tem tido uma postura tendente a negar benefícios, o que levou a uma crescente demanda pela sua concessão na esfera judicial. Felizmente percebem-se sinais de uma mudança de mentalidade que só a conscientização e a luta dos trabalhadores e trabalhadoras podem reforçar. Porém, a conscientização dos direitos requer o conhecimento sobre eles. É o que tentaremos fazer nesse pequeno e despretensioso texto.
Na prática, as grandes dúvidas sobre a questão dizem respeito aos benefícios previdenciários.
Como dissemos, a previdência social tem um caráter contributivo. Mas o que quer dizer isso? Significa que, em regra, para receber algum benefício é necessário que haja a contribuição para a manutenção do sistema. Em outras palavras, quer dizer que a sociedade deve sustentar o próprio sistema previdenciário e por isso para receber os seus benefícios é necessário que o(a) cidadão(ã) ajude a mantê-lo através da contribuição.
Os benefícios da previdência social dividem-se em aposentadorias, salários, auxílios e pensões. São os seguintes:
- Aposentadoria por invalidez;
- Aposentadoria por idade;
- Aposentadoria por tempo de contribuição;
- Aposentadoria especial;
- Salário-maternidade;
- Salário-família;
- Auxílio-doença;
- Auxílio-acidente;
- Pensão por morte;
- Auxílio-reclusão.
Como também foi dito, o regime de previdência social é de filiação obrigatória. Isso é o mesmo que dizer que todas as pessoas estão filiadas a ele, mesmo que não manifestem essa vontade. No entanto, para receber os benefícios, em regra, a pessoa deve contribuir para o sistema e estar na condição de segurado a um determinado tempo, que a lei denomina de carência.
Existem cinco tipos de segurados: o empregado, o empregado doméstico, o contribuinte individual, o trabalhador avulso e o segurado especial.
A nós, interessa particularmente essa última categoria, que é definida no artigo 195, parágrafo 8º, da Constituição Federal. O segurado especial tem esse nome porque ele tem direito a receber todos os benefícios da previdência social, mesmo sem pagar diretamente a contribuição. São segurados especiais o produtor, o parceiro, o meeiro, o arrendatário rural e o pescador artesanal, bem como seus respectivos cônjuges (maridos/esposas, companheiros/companheiras) que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes.
É importante frisar que o segurado especial contribui para a seguridade social, mas não pagando diretamente como os demais e sim através da aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da sua produção. Quem pagará esse valor, uma espécie de “imposto”, será o comprador que adquirir a produção do pescador para vender aos consumidores em geral; por exemplo, o feirante que compra o peixe para vender na sua barraca.
Em suma, o pescador(a)/marisqueiro(a) não pagará diretamente um valor mensal de contribuição se produzir para consumo próprio ou se repassar sua produção para um intermediário, que é a situação mais comum.
Portanto, de uma forma ou de outra os segurados especiais contribuem para o regime geral de previdência. Não se trata, portanto, de um “favor” do INSS a concessão dos benefícios, mas de um direito dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) artesanais.
Para ser considerado pescador(a) ou marisqueiro(a) artesanal é necessário que os membros da família trabalhem juntos na atividade produtiva ou auxiliando essa atividade, não possuindo outro meio de subsistência. Para isso não é necessário que todos os membros da família saiam para pescar, por exemplo, mas que vivam exclusivamente da pesca de um dos membros, pelo menos, e que residam em área próxima ao lugar onde embarcam para pescar. No período de defeso, no entanto, é permitido trabalhar em outra atividade, sem perder os direitos que tem como pescador(a)/marisqueiro(a) artesanal, desde que por até 120 dias e que se contribua diretamente para a previdência nesse período (com “carteira assinada” ou como contribuinte individual, através de guia encontrada no INSS).
Quanto à embarcação, o chamado pescador artesanal é aquele que não utiliza embarcação, o que utilize embarcação de até seis toneladas de arqueação bruta ou o que, na condição de parceiro outorgado, utilize embarcação de até dez toneladas de arqueação bruta.
No caso das aposentadorias, os pescadores(as)/marisqueiros(as) devem atender aos seguintes requisitos complementares:
- Aposentadoria por invalidez, a que tem direito aquele(a) que se tornou incapacitado para o trabalho: exercício de atividade de pesca artesanal/marisqueiro nos doze meses anteriores ao requerimento. No caso de incapacidade por acidente não existe tempo mínimo (carência);
- Aposentadoria por idade: 60 anos de idade para o homem e 55 anos para a mulher e exercício da atividade por 180 meses, no mínimo, antes do requerimento;
A viúva ou viúvo e filhos de quem na época do falecimento tinha a condição de segurado, ou seja, era pescador(a)/marisqueiro(a) tem direito a pensão por morte, no valor do benefício a que faria jus o(a) falecido(a), independente de carência, ou seja, mesmo que na data da morte não tivesse ainda completado o tempo mínimo de exercício da atividade.
Como no caso desses(as) trabalhadores(as) não existe contribuição direta ao regime, não se aplica a aposentadoria por tempo de contribuição.
Para obter os benefícios da previdência social é só se dirigir a qualquer posto do INSS e requerer. Caso o INSS negue o benefício, pode-se recorrer ao Poder Judiciário.
A prova dessa condição de pescador(a) ou marisqueiro(a) pode se dar através de documentos como inscrição no sindicato ou na colônia de pescadores em conjunto com outros como recibos de compras de materiais para a pesca ou o registro do barco e, no caso de requerimento judicial, por meio de testemunhas. É importante destacar que apesar de a associação dos trabalhadores e trabalhadoras ser importante para a luta por seus direitos, no Brasil ninguém pode ser obrigado a se associar de qualquer forma e o fato de uma pessoa não estar filiada ao sindicato/colônia não impede que consiga os benefícios previdenciários. Aliás, a justiça já entendeu que apenas a filiação ao sindicato ou à colônia não é suficiente para demonstrar que a pessoa é pescador(a) ou marisqueiro(a).
Por fim, frise-se que a forma mais prática de ser reconhecido(a) como pescador(a) artesanal e receber os benefícios é a inscrição no Registro Geral da Pesca do Ministério da Pesca e Aqüicultura. No site do Ministério há uma explicação didática sobre como conseguir o registro. Basta acessar o seguinte link: www.mpa.gov.br/#pesca/rgp


Márcio Aguiar

Advogado e Membro da RENAP-CE

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