CUMBE: como assegurar os direitos dos moradores?

CUMBE: como assegurar os direitos dos moradores?

Maria do Céu de Lima,
Profa. Depto de Geografia e coord. do LEAT-UFC

Há anos tenho ido, na condição de pesquisadora, à Comunidade do Sítio Cumbe, município de Aracati-CE. Todo semestre organizo trabalho de campo e, neste semestre viajei para lá, entre 7 a 10 de abril de 2011, com os estudantes da disciplina Métodos e Técnicas da Pesquisa em Geografia Humana do Curso de Geografia da UFC. Vimos que persistem as casas de taipa com cercas de “pau de mangue” e as atividades de subsistência (pequenos cultivos, criação de pequenos animais, coleta de frutos silvestres nos “morros”, a pesca e, principalmente, a mariscagem). Sem dúvida, um lugar marcado por meios de vida, costumes e práticas culturais de uma comunidade tradicional que a todo tempo teve que lidar com especiais características geoecológicas de seu território, pois é ladeado pelo manguezal da margem direita da Foz do Rio Jaguaribe, e, pelo outro lado, por um extenso campo de dunas que permitia, com uma boa caminhada, chegar à praia. Ainda na lembrança está que quando as “cheias” inundavam as partes baixas do lugar, acampava-se nas dunas.
Sob a intervenção de empresários e do Estado (no papel de financiador e avalizador), os espaços de vida e de trabalho desta comunidade tornaram-se objetos de acirradas disputas. Para quem acessa pela única e ainda hoje precária estrada, é fácil perceber que os carcinicultores embrenharam-se, a partir de 1996, num território até então construído por uma comunidade típica da zona costeira. Para buscar água doce desviaram um braço do rio e ocuparam significativas áreas de uso comum (principalmente os apicuns). De todo lado avista-se as chamadas “fazendas de criação de camarão de cativeiro”, mesmo que estejam abandonadas, impõem-se na paisagem. A chegada da atividade gerou muitas esperanças em razão da promessa de que haveria emprego e renda para os trabalhadores locais. Não é o que relatam moradores, em especial os que já viviam da mariscagem, pois observam muita degradação ambiental, salinização da água de consumo doméstico e restrição ao uso dos espaços para a realização das suas atividades. Cabe perguntar à SEMACE: quais dessas fazendas tem o devido licenciamento ambiental?
Esta comunidade ainda vivendo sob os efeitos e os danos socioambientais da carcinicultura foi submetida à presença de imensos aerogeradores e a restrição da circulação nos campos de dunas. Do Fortim (que fica à margem esquerda do Rio Jaguaribe) ou no próprio Cumbe o que se vê é que uma grande área está sendo utilizada para a geração de energia eólica, sobre o campo de dunas móveis e fixadas por vegetação (áreas de preservação permanente). Apesar da energia eólica ser considerada limpa e renovável, a “instalação das usinas é aqui, de altíssimo impacto social”, relata com razão uma moradora.
Da observação realizada, mais uma vez, ficou evidente que os princípios enunciados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC e na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT, mesmo estando dentro da APA de Canoa Quebrada, não têm sido assegurados aos moradores do Cumbe: o respeito e a garantia do território e do acesso aos recursos naturais (preservados) que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica. Enfim, a comunidade ainda precisa lutar pela proteção às áreas de uso comum e ao seu modo de vida, aos patrimônios locais, o livre acesso ao cemitério centenário e a praia.

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