Indagações sobre o Corredor Eólico

Indagações sobre o Corredor Eólico A geração de energia eólica se apresenta como uma alternativa totalmente limpa e benéfica para a sociedade. No entanto, persistem muitas indagações sobre as implicações sociais e também ambientais desta fonte de energia. Emiliano Castillo Jara México / Ecologia – Diante do problema da mudança climática, vem sendo discutido o uso de energias renováveis, incluindo a que o vento produz, a eólica. Ela é promovida pelas empresas multinacionais, organismos financeiros internacionais, organizações não governamentais dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e Espanha —que desenvolveram essas tecnologias—, já que o México não tem a capacidade econômica nem política para fazer isso. O desenvolvimento de energias renováveis se converteu numa concorrência entre dezenas de países ricos e suas empresas multinacionais, que procuram obter lucros promovendo o uso de energias limpas. O objetivo é reforçar, desta maneira, relações de dominação, mais que proteger o meio ambiente. Este é o caso da geração de energia eólica no México, principalmente no Istmo de Tehuantepec, estado de Oaxaca. JUSTIÇA SOCIAL E DIREITOS Apesar de seu aparente caráter local, a construção de centrais de energia eólica no Istmo de Tehuantepec tem implicações internacionais que se relacionam com um dos maiores desafios que o ser humano enfrenta atualmente: a mudança climática global, causada em grande parte pelo uso de combustíveis fósseis. A energia eólica é concebida como uma forma menos contaminante de gerar energia elétrica, fundamental para a iluminação, produção de bens e serviços, para o transporte de mercadorias e pessoas e o funcionamento de aparelhos eletrônicos, entre outras atividades da vida diária. Mas ao analisar a energia eólica deve-se questionar a justiça social e o respeito aos direitos coletivos das comunidades indígenas e camponesas que moram nas imediações dessas centrais eólicas. No Istmo de Tehuantepec a definição de uma nova forma de convivência com a Natureza que seja menos daninha está em jogo. “AMEAÇAM NOSSA VIDA” No final de julho, a Assembleia dos Povos do Istmo em Defesa das Terras e do Território exigiu revogar averiguações, ordens de detenção e causas penais iniciadas por empresas espanholas contra aqueles que defendem seus direitos étnicos e repudiam o desenvolvimento eólico no Istmo de Tehuantepec. A Assembleia denunciou as empresas Preneal, Enel, Unión Fenosa, Iberdrola, Aciona, Demex, Renovalia, Gamesa, Eyra, Peñoles, Edf, Eoliatec e Femsa-Mcquaire, que “dividem nossos povos, ameaçam nossa vida e nos despojam de terras”. E qualificaram o governo de impulsor e cúmplice no projeto mediante instâncias como a Procuradoria Agrária, a Secretaria da Reforma Agrária, o Registro Agrário Nacional, o Registro Público da Propriedade e o Poder Judicial. Os povos e comunidades do Istmo declararam-se dispostos a defender seu território “dos negócios sujos em nome da chamada energia limpa”. O Istmo de Tehuantepec tem um grande potencial de geração de energia eólica para uso comercial. A região é considerada uma das melhores em nível mundial. Empresas transnacionais —especialmente as espanholas, como Iberdrola e Aciona— desenvolvem centrais de energia eólica em territórios de comunidades indígenas e camponesas. São responsáveis pelo megaprojeto Corredor Eólico. O projeto é financiado pelo Banco Mundial e Banco interamericano de Desenvolvimento (BID). As operações começaram em 1994, mas em 2005 tomaram mais força com o aumento do investimento estrangeiro. As centrais produzem eletricidade fornecida em grande parte a empresas na América Central, embora chegue muito pouca à população do Istmo de Tehuantepec. O megaprojeto eólico se constrói em benefício dos interesses de países desenvolvidos e de suas empresas transnacionais: os lucros são transferidos para o exterior, aumentando a dívida externa do México pelos empréstimos aprovados por organismos financeiros internacionais, que deve pagar pelas patentes dos principais componentes tecnológicos, utilizados na construção de centrais eólicas propriedade de países desenvolvidos. O PETRÓLEO ACABA... O Corredor Eólico promove a participação do capital privado na geração de energia elétrica, que a Comissão Federal de Eletricidade vende para a empresa estatal de energia elétrica. Posteriormente, esta distribui pelo território nacional. Sendo assim, o capital privado tem grande influência em definir por que e para que se produz essa energia. Hoje, uma porcentagem importante da eletricidade consumida no México é geradas por empresas privadas. Existem planos para fornecer a eletricidade produzida pelas centrais eólicas à infraestrutura elétrica, de telecomunicações e de transportes da América Central. Estes planos —também financiados pelo BM e pelo BID— visam unificar os mercados energéticos da zona aumentando o investimento privado na geração de eletricidade Estamos diante de uma violação à soberania nacional mexicana, porque a geração de energia elétrica é uma atividade estratégica que deve ser conduzida pelo Estado, para garantir o fornecimento de eletricidade à população. É uma estratégia de longo prazo, considerando que as reservas de petróleo nacional não durarão por muito tempo e que atualmente o México depende do petróleo para a produção de energia e como fonte de grande parte de sua receita pública. TERRAS ARRENDADAS E DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS As empresas transnacionais que desenvolvem o megaprojeto eólico precisam modificar a propriedade destas terras, passando-as de coletivas para privadas com contratos de arrendamento. A assinatura desses contratos dá às empresas direitos sobre a terra por 30 anos, com a possibilidade de renová-los por mais 30 anos e de fixar pagamentos mínimos às comunidades pelo aluguel de sua terra, que em nenhum caso podem compensar totalmente os danos gerados pelas centrais eólicas. Alguns camponeses recebem apenas 7000 dólares anuais de renda para cada hectare arrendado. A desapropriação de terras foi o principal motivo para que organizações como o Grupo Solidario La Venta, a Assembleia em Defesa da Terra e o Território de Juchitán, o Conselho de Idosas e Idosos de Ranchu Gubiña, o Centro de Direitos Humanos Tepeyac, a União de Comunidades Indígenas da Zona Norte do Istmo, entre muitos outros, se unissem para se opor ao Corredor Eólico. Vários destes grupos já existiam antes da construção do Corredor Eólico e contavam com uma força consolidada e com vinculação aos movimentos sociais a nível regional, nacional e internacional. Isto contribuiu a dar maior força e organização à resistência ao megaprojeto eólico, inclusive com a diversidade cultural que existe no Istmo de Tehuantepec e com a divisão de alguns grupos. NOVO MÉTODO DE SAQUE A desapropriação de terras camponesas e indígenas para construir o megaprojeto não é uma situação exclusiva do México. Em outros países da América Latina também existem movimentos sociais e organizações que rejeitam-no por considerar novos métodos de pilhagem dos recursos naturais, que contaminam o meio ambiente e dão continuidade à colonização do imperialismo. Embora cada caso seja diferente, a maioria destes megaprojetos compartilha duas caraterísticas: as decisões foram tomadas com antecedência e as comunidades, usualmente indígenas e camponesas, não são informadas nem consultadas sobre suas forma de organização e sobre o conhecimento tradicional que têm em relação ao meio ambiente de suas áreas. As negociações realizadas com as autoridades e empresas para o arrendamento de terras foram criticadas pela coalizão de organizações opositoras. Afirmam que são realizadas sem informações transparente e verdadeiras sobre as implicações dos contratos. Alguns dos proprietários das terras não conhecem bem os seus direitos, depois que arrendaram-nas às empresas. Também não sabem que acontecerá com as centrais eólicas, quando o contrato de arrendamento terminar. PROTESTOS, DENÚNCIAS Os grupos de oposição ao projeto dirigiram os protestos contra as ameaças e assédios que os representantes das empresas fazem aos proprietários, para forçar a assinatura dos contratos. Ou denunciam a realização de assembleias nos terrenos baldios (terras comunitárias) com as assinaturas de pessoas falecidas ou que não pertencem a essas terras. As reuniões públicas feitas para informar sobre os projetos de energia eólica não conseguem o objetivo de recolher os interesses das comunidades, o que prejudica as relações entre as comunidades, empresas e o governo mexicano. Também existem os donos de pastagens que não se opõem à energia eólica e só exigem um pagamento justo pelo aluguel da terra, obtendo assim um lucro adicional aos obtidos por suas atividades agrícolas. Isto causou conflitos dentro das comunidades: os que apoiam contra os que repudiam o megaprojeto eólico. O QUE DEMANDAM ? Uma das principais demandas dos grupos de oposição é a anulação dos contratos de arrendamento, o que significaria o cancelamento do megaprojeto. Exigem também acesso à informação verídica sobre os impactos causados nos territórios das comunidades e sobre as caraterísticas das negociações dos contratos. Sabem que a consulta aos povos, em base aos artigos 6 e 7 do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas, é fundamental para decidir sobre a execução de um megaprojeto como este. Estes artigos exigem que, de acordo com suas instituições representativas, os povos sejam consultados, respeitando assim seu direito a decidir sobre suas prioridades. As autoridades governamentais mexicanas e as empresas transnacionais ignoraram as demandas das comunidades, minimizam a magnitude dos impactos negativos e tentaram cooptar, intimidar e reprimir a mobilização social e as manifestações de rejeição. A desculpa é a necessidade de atrair investimento estrangeiro e o desejo de construir uma imagem positiva da energia eólica para o público como alternativa limpa e eficiente. DANO AMBIENTAL: SOLO, AVES E PAISAGEM Certamente, a produção de energia eólica é melhor ambientalmente se comparada com a produzida por combustíveis fósseis. No entanto, também gera danos que o governo mexicano e as empresas transnacionais ignoram. Porque, embora as empresas façam estudos de impacto ambiental para assegurarem-se de que o meio ambiente não seja danificado, estes estudos só propõem a aplicação de leis e a compensação econômica como únicas e simples medidas para a solução de problemas que são complexos. Entre os principais impactos negativos destacam-se os danos à terra onde se desenvolvem atividades agrícolas, uma das principais fontes de renda para a população local. Este impacto se agrava pela notável falta de apoio governamental aos pequenos e médios produtores agrícolas, que não têm certeza se continuarão podendo cultivar nessas terras, uma vez que termine a vida útil das centrais eólicas. A morte de aves é outra preocupação porque as centrais eólicas localizam-se em uma importante rota mundial de aves migratórias. Embora haja outras atividades econômicas que causem mais mortes, nem por isso deve ser subestimado o que ocorre aqui, principalmente se não existir informação transparente sobre os índices de mortalidade das aves. Alguns habitantes locais assinalaram que a construção de mais centrais eólicas afetaram também a paisagem rural. Protestam também contra os possíveis riscos à saúde das pessoas e animais que habitam nas imediações, devido ao ruído causado pelas máquinas e equipamentos das centrais. FALTA UM PROJETO NACIONAL Esses projetos exigem um projeto nacional. O papel do Estado mexicano na geração de energia eólica é fundamental para a resolução de conflitos pela propriedade da terra, para promover pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias nacionais, a fim de regular o investimento estrangeiro e garantir a segurança energética do país. No fornecimento de eletricidade a prioridade deve ser dada à população nacional. O Corredor Eólico não cumpre com estes três índices de justiça. É um projeto que favorece os interesses econômicos das empresas transnacionais e que gera ônus sociais e ambientais inaceitáveis porque violam os direitos fundamentais da população do Istmo de Tehuantepec e degradam o ecossistema local. Como afirmar que contribui para reduzir os impactos negativos da mudança climática, com todos estes obstáculos negativos? Se sua implementação baseia-se em decisões apressadas, guiadas pelo lucro, irresponsáveis e mal informadas sobre suas vantagens e desvantagens, a contribuição é nula. ____________ Emiliano Castillo Jara. Pós-graduado em Relações Internacionais pela UNAM do México. Artigo (íntegra) de colaboração para a revista Envio, www.envio.org.ni --

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