Marisqueiras cearenses lutam por reconhecimento e cobram garantia de direitos

 

Marisqueiras cearenses lutam por reconhecimento e cobram garantia de direitos

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Mesmo sendo uma atividade importante para quem vive do marisco no litoral cearense, a profissão ainda não é regulamentada e isso dificulta o acesso às políticas públicas
Foto: Arquivo Pessoal

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De noite, de manhã ou até de madrugada. A maré é quem dita a jornada de trabalho das marisqueiras, mulheres que capturam ostra, sururu e búzios para o seu sustento. Trabalho herdado de seus pais que levavam seus filhos à foz do Rio Jaguaribe para a captura dos mariscos. “A gente antes tirava pra comer e agora pra colocar dinheiro dentro de casa”, descreve Luciana Santos, da comunidade do Cumbe, em Aracati. Apesar do litoral cearense possuir centenas dessas pescadoras artesanais, sua profissão ainda não é regulamentada e isso dificulta o acesso às políticas públicas.

A rotina é pesada. O dia ainda está escuro quando elas acordam para “puxar o barco”. Como a maré baixa, elas se arrumam e partem para o Rio Jaguaribe. “Não tem canto específico e nem todo ano dão no mesmo local”, explica Luciana. Essa dificuldade faz algumas marisqueiras percorrerem mais de 15 quilômetros de barco e andar cerca de duas horas. O sururu, que hoje é o mais rentável, aparece mais na parte da manhã.

A preparação também é importante. Para proteção, usam botas, calças, camisas de mangas compridas, chapéu, protetor solar e luvas. As pescadoras ainda se equipam com uma armadilha, cordas, um “quebra-tripa” de forquilha e sacos para armazenar. A embarcação precisa de motor e gasolina. Antes, quando pegavam mais próximo, remavam com vara. Hoje, pela distância, é impossível. No rio, se for fundo, são obrigadas a mergulhar para chegar até os mariscos. “Tem risco de acontecer acidente com furada de niquim, arraia e outros peixes. A gente se arrisca mergulhando. É muito perigoso”, explica Francisca Carneiro, da comunidade de Jardim, em Fortim.

Mas após a captura, o trabalho não acabou. O sururu, por exemplo, passa por várias etapas que acabam envolvendo toda a família. No próprio rio, enquanto enchem o saco, o marisco passa pela primeira lavagem. Em casa, mais uma vez. Depois disso, vai sendo destripado e limpo, um por um, novamente. “Aí vamos colocando no balde e na panela para cozinhar”, descreve Luciana. Depois disso, separam os cascos, lavam mais uma vez, até serem embalados e vendidos. “É muito trabalho”, admite a marisqueira. O processo pode durar, ao todo, até 14 horas.

Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo assim, a atividade é defendida e exaltada por todas elas pela herança e por ser o único meio de sobrevivência para a maioria dessas mulheres, que também são casadas com pescadores. “O Rio Jaguaribe é nossa fonte de renda desde a infância”, resume Luciana. Na época boa, que é a partir de junho, cada uma delas consegue levar cerca de 20 a 23 quilos de sururu para casa. Como este ano esta espécie foi mais rentável, mais de 50 famílias trabalham no rio. O quilo é vendido a cerca de R$20 e R$25, o que oferece uma renda mensal de aproximadamente R$ 1,5 mil a R$ 2 mil.

LUTA POR DIREITOS

O problema é que a renda não chega o ano inteiro. No período chuvoso, o Rio Jaguaribe fica cheio e a água “adoça”, dificultando a reprodução dos mariscos. “No período do inverno, quando começa muito cedo, já morrem em fevereiro. Aí ficamos até junho sem capturar”, explica a marisqueira. Sem eles, o grupo de mulheres busca garantir que sejam reconhecidas no Seguro Defeso, que no Ceará só contempla a piracema e a lagosta. Outros benefícios também não são acessados, segundo elas, pela dificuldade de serem reconhecidas como pescadoras artesanais pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

“A nossa luta é que, muitas vezes, se nega auxílio-doença, aposentadoria. O INSS oferece atendimento pela internet, mas muitas não têm acesso. Ainda temos que colocar várias provas e, mesmo assim, somos negadas. A gente também precisa de reconhecimento para acesso à crédito para equipar com luva, embarcação, mas muitas vezes é negado. É o racismo ambiental que tem por nós pescadoras”, denuncia Luciana. “Muitas de nós não sabe ler, escrever e sofre por falta desse reconhecimento”, completa Francisca.

O chefe do Setor de Administração de Informação dos Segurados do INSS, Francisco Sérgio Cândido, explicou que as marisqueiras hoje fazem parte do grupo de segurados especiais, como agricultores e pescadores de lagostas. “O que muda é como vai comprovar o exercício da atividade. A questão das provas. O que a gente nota é que não sabem os documentos necessários, da forma correta e o benefício acaba sendo indeferido”, explica.

Foto: Arquivo Pessoal

No entanto, antecipou que o Governo Federal está mudando a forma de comprovação de documentos. A participação de sindicatos não é obrigatória, “mas as entidades já têm expertise e acordo de cooperação técnica com o INSS, que acaba facilitando”, reconhece Sérgio. O Instituto se comprometeu a realizar um mutirão com as marisqueiras para otimizar esse cadastramento. Por outro lado, o Seguro Defeso hoje não contempla as marisqueiras. “O INSS é o executor. Não faz as leis e nós não temos gerência sobre isso”, lamenta o servidor.

LEGISLAÇÃO

Atualmente, dois estados brasileiros possuem legislação que regulamenta o trabalho das mulheres marisqueiras como forma de promoção em programas de inclusão social, como a Bahia e o Pará. O primeiro, inclusive, instituiu um benefício chamado “auxílio inverno”, no valor de um salário-mínimo, ao pescador e marisqueira que exerçam a atividade de modo artesanal, em regime de economia familiar ou individualmente, ainda que com o auxílio de terceiros. O valor é pago no período em que há maior índice pluviométrico, ventos fortes e/ou tempestades marítimas.

O deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que realizou uma audiência pública no último dia 23 de agosto, formou um grupo de trabalho com o Instituto Terramar, o Ministério Público do Trabalho e as marisqueiras para pensar uma lei estadual. “A gente quer criar uma política estadual para os pescadores artesanais e marisqueiras e vamos construir esse texto respeitando esse diálogo com as mulheres”. Complementando essa política estadual, o secretário adjunto de Pesca e Aquicultura do Ceará, Euvaldo Bringel, propôs a criação de uma carteira estadual de pescador artesanal, englobando as marisqueiras.

“Ao menos vai facilitar esse reconhecimento do INSS”, justifica. Hoje, a pasta mantém 10 pessoas trabalhando no Ministério da Pesca para ajudar a fazer esse cadastramento.

O secretário Nacional da Pesca Artesanal, Cristiano Ramalho, que esteve na audiência do último dia 23, se comprometeu em articular com a Secretaria de Registro, que compõe o Ministério da Pesca, para fazer uma visita ao Ceará e tratar desses pontos. Uma das principais reivindicações é o acesso ao Registro Geral da Pesca (RGP). “É onde acessa o conjunto de políticas públicas voltadas aos pescadores”, destacou, na o





Participação dos Município

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