REVOLTA, INJUSTIÇA E INDIGNAÇÃO NO CUMBE/ARACATI
REVOLTA,
INJUSTIÇA E INDIGNAÇÃO NO CUMBE/ARACATI
Contra
a Decisão da Juíza da 1ª Vara da Comarca
do Aracati Ana Celina Monte Stuart Gurgel
Carneiro, sobre a ordem de desocupação de uma área de manguezal, ocupada em
agosto de 2013 pelos/as Pescadores/as do mangue do Cumbe.
Como é do conhecimento, de boa parte da população
cearense, a luta dos pescadores/as do Ceará pela garantia e defesa do seu
território tradicional, áreas de pesca, moradia e lazer não é de agora. Especialmente,
a luta dos pescadores/as do mangue do Cumbe, contra as violações de direitos
causadas pelos projetos de desenvolvimento econômico, como a carcinicultura e
os parques de energia eólica, que invadem, privatizam e degradam o território coletivo
e de uso comum.
Os pescadores/as do mangue do Cumbe, nos últimos anos do
século XX e início do XXI, vêm sofrendo uma série de ameaças por conta de
atividades implantadas na comunidade, as quais não respeitam a natureza e tão pouco
o modo de vida dos/as pescadores/as que moram e trabalham há séculos nestas
áreas, hoje invadida pelos empreendimentos da carcinicultura e pela instalação
dos parques de energia eólica.
O
cercamento da comunidade por essas atividades se dá por todos os lados, ameaçando
a continuidade das relações que os/as pescadores/as do mangue tem com seu
território comunitário. Além de comprometer, diretamente, a pesca artesanal de
peixes, caranguejos e mariscos, tendo implicação direta na soberania alimentar,
cadeia produtiva, qualidade de vida e os usos e significados que os/as
pescadores/as do mangue dão ao seu território tradicional.
Após anos de luta na “justiça” pela posse de uma área de
manguezal abandonada pela carcinicultura, desde 2006, e que em 2008 os/as pescadores/as
do mangue do Cumbe representaram junto à Procuradoria Federal da Justiça, solicitando
das autoridades competentes que a área em questão, que antes se dizia ser de
propriedade de uma portuguesa (cujo nome não se sabe), fosse recuperada pelo
degradador e devolvida aos/as pescadores/as.
Impedindo, assim, a expansão dos criatórios de camarão nas áreas de
manguezal, bem como os conflitos entre pescadores/as do mangue e o empresário
do camarão.
No
dia 15 de março de 2013, após várias tentativas de um empresário do camarão
para se apropriar da área em conflito, um grupo de 27 (vinte e sete) pescadores/as
do mangue do Cumbe resolveu fazer uma ocupação na área como forma de defender
seu território contra a expansão dos criatórios de camarão e defesa do
manguezal, já que a área de mangue vinha se recuperando naturalmente da
devastação, promovida por alguns funcionários do carcinicultor, que a seu mando
o cortavam e arrancavam de noite, para não chamar atenção, o mangue que nascia.
Durante
todo o período de ocupação da área de manguezal, que durou 5 (cinco) meses, 8
(oito) dos 27 (vinte e sete) pescadores/as do mangue do Cumbe foram
criminalizados/as pelo carcinicultor, que usando do aparato da “justiça de
direito”, ajuizou uma ação de reintegração de posse com pedido de liminar na 1ª
vara da comarca do Aracati, requerendo a saída dos pescadores da área do mangue
ocupada, sendo eles: Ronaldo Gonzaga, Edivan Florêncio, Neuzimar Rodrigues, Josimar
Silva e Raimundo Florêncio. O carcinicultor alega ser dono da área em conflito,
argumento aceito pela Juíza da 1ª Vara da comarca do Aracati, Ana Celina Monte
Stuart Gurgel Carneiro, sem nem ouvir os pescadores/as do mangue do Cumbe.
No
dia 29 de agosto de 2013, às 9h da manhã, um grupo de aproximadamente 10 (dez)
mulheres e crianças, foi surpreendido e cercada toda a área por um oficial de
“justiça”, cerca de 15 (quinze) policiais militares do Aracati armados, o
carcinicultor com todos seus funcionários e mais um trator de esteira para
retirar à força as mulheres pescadoras com as crianças, que se encontravam lá,
pois os maridos, pescadores, tinham saído para o trabalho/pescar. Assim, a
máquina derrubou tudo que foi construído durante os 5 (cinco) meses.
Humilhando
a luta dos pescadores/as com o uso da força e do aparato do Estado, de forma
violenta e desigual, contra aqueles/as que lutam e defendem o manguezal, seu
meio de vida. A desocupação foi realizada e a área de manguezal em questão foi
dada ao carcinicultor, que, logo em seguida, constrói uma cerca em toda a área
de manguezal ocupada pelos pescadores/as.
Passados
4 (quatro) dias, após a desocupação da área, um grupo de aproximadamente 20
(vinte) pescadores/as do mangue, resolveram construir outra barraca fora da
área de mangue cercada pelo empresário do camarão, onde eles têm um cultivo de
ostras.
Durante
o período da nova ocupação na área do manguezal, mais 3 (três) pescadores foram
criminalizados pelo carcinicultor, o qual recorreu novamente ao aparato da
“justiça” do Aracati, conseguindo aplicar uma pena ao pescador do mangue Carlos
Gonzaga, a pagar 6 (seis) cestas básicas, no valor de R$ 60,00 (sessenta reais)
cada, por ele simplesmente defender o manguezal.
Além
dessa situação, o carcinicultor Rubens dos Santos Gomes, tentou vitimar o
pescador Paulo Cesar da Silva, jogando seu carro contra o mesmo, quando este vinha
de bicicleta da barraca para sua casa. Na delegacia do Aracati, o carcinicultor
falou que o pescador tinha se jogado contra seu carro, na tentativa de
incriminá-lo, sendo que nada foi feito pela polícia contra o que consideramos ser
uma tentativa de assassinato, passando o empresário a ser vítima neste caso.
Quando
foi agora, dia 30 de janeiro de 2014, a Juíza da 1ª Vara da Comarca do Aracati,
Ana Celina Monte Stuart Gurgel Carneiro, assinou e autorizou uma nova liminar requerida
pelo carcinicultor Rubens dos Santos Gomes contra cinco pescadores do mangue,
inclusive determinando a retirada da criação de ostras de dentro de um dos
braços do rio Jaguaribe, ou seja, de dentro da gamboa que fica ao lado da
ocupação.
Fundamentou,
em sua decisão, que a criação de ostras estaria ameaçando a criação de cultivo
de camarão do referido carcinicultor. Consideramos como mais grave ainda o ato
da juíza autorizar a retirada da criação de ostras de dentro da gamboa sem mais
uma vez ouvir os pescadores/as do mangue e, em seguida, tirar licença de 1 (um)
ano, atendendo mais uma vez o pedido do empresário do camarão.
Se
os/as pescadores/as do mangue do Cumbe não podem pescar, criar ostras dentro do
braço do rio (gamboa), realizar suas atividades tradicionais no manguezal, porque
“ameaça” a atividade do carcinicultor, onde vão encontrar o direito de
fazê-las?
Porque
a “justiça” no Brasil apenas funciona para os pequenos, os excluídos pela
sociedade por ser preto, pobre e pescador? Já está na hora de a “justiça” brasileira
deixar sua posição de falsa imparcialidade e enxergar com os olhos arregalados
as injustiças cometidas por si própria, deixando de ser seletiva ao atender
apenas aos interesses de uma pequena parcela da sociedade sedenta por dinheiro
e poder. Tal decisão aumenta cada vez mais o quadro da desigualdade entre os
que têm dinheiro e os que não têm.
Força
aos pescadores e pescadoras do mangue do Cumbe!
Todos
nós somos pescadores/as do mangue do Cumbe!
Fortaleza,
12 de fevereiro de 2014.
João
Luís Joventino do Nascimento
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