Denúcias atribuem danos ambientais a parques eólicos no Ceará

26/10/2009 - 07h30
Denúncias atribuem danos ambientais a parques eólicos no Ceará
Kamila Fernandes
Especial para o UOL Notícias
Em Fortaleza
As paisagens litorâneas do Ceará têm ganhado novos componentes nos últimos tempos: altas torres brancas com enormes hélices, que captam a força dos ventos para geração de energia. Considerada uma das formas mais limpas de se produzir energia elétrica em vigor no mundo, a energia eólica, porém, tem sido questionada no Estado, onde ações do Ministério Público Federal têm denunciado diversos problemas socioambientais causados na instalação dos parques eólicos.

* Kamila Fernandes/UOL

Considerada uma das formas mais limpas de se produzir energia elétrica em vigor no mundo, a energia eólica, porém, tem sido questionada no CE

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* Progresso esperado com energia eólica não reflete realidade de comunidades do Ceará


Entre os problemas estão a devastação de dunas, o aterramento de lagoas, interferências em aquíferos, a destruição de casas e conflitos com comunidades de pescadores.

"Apresentam o projeto como se fosse ser feito numa praia deserta, mas não, há pessoas que vivem nesses lugares a vida toda e que agora sofrem uma interferência violentíssima", disse o promotor Paulo Henrique de Freitas Trece, de Camocim (cidade localizada a 370 km de Fortaleza). "Fora isso, estamos perdendo todas as nossas dunas. É uma situação dramática."

O Ceará hoje concentra o maior parque eólico do país, com 267,90 MW (megawatts) de energia sendo geradas pelo vento em 11 usinas já instaladas. Até o final do ano, há uma perspectiva de que sejam alcançados 518,33 MW de potência, com a inauguração de outros três grandes parques.

O último parque inaugurado é o maior do Nordeste, justamente o de Camocim (onde Trece atua), na praia Formosa. Só essa usina tem capacidade para gerar 104,1 MW de energia.

Segundo um estudo da Secretaria de Infraestrutura do Estado, com toda a capacidade instalada, o Ceará evitaria o equivalente à emissão de 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono (o maior vilão do aquecimento global) por ano, quantidade que acabaria sendo lançada ao ar se toda essa energia fosse produzida de outras formas, como pelas termelétricas.

Com o primeiro leilão de energia eólica a ser realizado pelo governo, marcado para o dia 25 de novembro, a expansão do setor deverá ser ainda mais acelerada. Em todo o país, 441 projetos se inscreveram para participar da seleção comandada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), com propostas para gerar ao todo 13.341 MW de energia. Desse total, 72% são do Nordeste. O Ceará é o segundo com maior número de projetos inscritos, 118 (com proposta de captar 2.743 MW a mais de energia) - perde apenas para o Rio Grande do Norte, que tem 134 projetos (4.745 MW).

Localização problemática
Os críticos da energia eólica alegam que não se opõem à instalação dos parques em si, mas sim à localização escolhida. "O problema é que instalam o parque levando em conta apenas a dimensão econômica, ignorando os custos ambientais desses projetos", disse Jeovah Meireles, professor do departamento de geografia da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Ele analisou projetos instalados em duas praias, uma na Taíba (litoral oeste do Ceará) e outro na praia do Cumbe, em Aracati (no litoral leste). Nestes dois casos, o professor concluiu que se buscou aproveitar a altitude das dunas para potencializar a captação dos ventos, mais intensos. Mas, para isso, dunas fixas foram desmatadas, alterou-se parte da topografia local, fez-se a compactação de dunas móveis, lagoas próximas foram aterradas, além da privatização de espaços de uso tradicional, o que gerou descontentamento da população local.

"Não haveria qualquer problema se os parques fossem instalados logo atrás das dunas, nas zonas dos tabuleiros, onde a velocidade dos ventos alcança níveis europeus, de 6 m/s (metros por segundo). Mas não, como nas dunas são alcançados 8 m/s, visualiza-se um resultado maior com menos custos", afirmou Meirelles.

Para ele, todos os danos poderiam ser evitados se fosse cobrado um estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) que levasse em conta projeções sobre o acúmulo das intervenções feitas na natureza por esses projetos. Seguindo uma resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), a número 279, de 2001, para a instalação de parques eólicos normalmente é exigido apenas um relatório simplificado para a expedição da licença ambiental, dada pelos órgãos estaduais.

Agora, após tantas denúncias, a Semace (Superintendência Estadual de Meio Ambiente) decidiu cobrar o EIA-Rima, com base na Lei do Gerenciamento Costeiro (lei federal 7.661, de 1988), que regula os usos possíveis dos terrenos na costa brasileira. Assim, os novos projetos deverão apresentar esse documento no processo de licenciamento.

As denúncias do Ministério Público Federal, de degradação ambiental na praia do Cumbe, levaram a Justiça Federal a determinar na sexta-feira (23), por uma liminar, a suspensão das obras do parque eólico que está sendo construído pela Bons Ventos. Pela decisão, a empresa fica proibida de continuar a instalação até que um estudo de impacto ambiental seja apreciado pela Semace. A Bons Ventos pode recorrer contra a decisão.

"Não se tem nenhuma ideia do impacto cumulativo disso tudo aí. E tudo pode piorar, porque uma coisa é você ter 250 aerogeradores instalados, quantidade que o Ceará vai ter até o final do ano, outra é ter 20 mil, quantidade que seria usada para se alcançar a capacidade eólica do Estado, de 40 mil MW", diz Meireles.

Para o promotor de Camocim, é necessário que agora as promotorias e o Ministério Público Federal se antecipem para cobrar todos os estudos de impacto necessários antes que as novas obras se instalem. "Em Camocim, já estão lá as torres de 110 metros de altura, instaladas e funcionando, toda a intervenção equivocada nas dunas já foi feita, casas de pescadores já foram destruídas, tudo isso é fato consumado e dificilmente a Justiça vai fazer algo. Para as outras, vamos fazer o possível para tentar impedir que os mesmos prejuízos aconteçam", disse Trece.

Mais benefícios do que malefícios
Para o presidente da ABEeólica, associação que congrega as empresas do setor eólico instaladas no país, o empresário Lauro Fiúza, as reclamações partem de pessoas despreparadas e que desconhecem os benefícios ambientais da energia eólica. "Qualquer obra tem algum impacto durante a instalação, mas, no caso dos parques eólicos, o impacto é baixíssimo. É menor do que dos buggys que circulam pelas dunas", disse.

Ele argumenta que apenas no Ceará há críticas à energia eólica e que as ações na Justiça acabam por deixar os investidores - em sua grande maioria estrangeiros - inseguros quanto a continuidade dos projetos. "É preciso ter uma consciência nacional de que a energia eólica é fundamental para o país, senão é desperdiçar uma dádiva de Deus, que é essa quantidade imensa de vento à disposição", afirmou.

Para Fiúza, a exigência de estudos mais aprofundados de impacto ambiental são desnecessários, pois os aerogeradores ocupam um percentual muito pequeno das dunas onde são instalados. "Como a distância entre eles é muito grande, no fim, ao se dimensionar a taxa de ocupação, não chega a 3% da área. Evidentemente que na instalação há algum desconforto, mas que é mínimo e logo superado por 20, 30 anos de benefícios com a produção de energia limpa e renovável, além do acréscimo da arrecadação do municípios com a própria usina", disse.

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