Artigo
Enquanto isso no Brasil...
João Alfredo Telles Melo
02 Jan 2010 - 01h34min

Finalmente, o Brasil tem sua lei de mudanças climáticas, que, ao estabelecer metas - mesmo que somente voluntárias - para a redução da emissão de gases do efeito estufa, sinaliza uma pequena mudança na política de desenvolvimento do país. No entanto, os vetos apostos pelo Presidente Lula são um pequeno iceberg no mar de contradições que é a política ambiental do governo federal. Para compreendê-la, é preciso ir além de uma leitura ufanista da postura do Governo Brasileiro na COP 15.

Ali, ficou claro que a simples divisão entre países desenvolvidos e pobres não já dá conta da atual divisão geopolítico-ambiental do planeta. Não temos somente dois blocos, mas, na verdade, pelo menos três: os altamente desenvolvidos (EUA, União Européia e Japão, principalmente), que, para continuar explorando os povos e a natureza, querem impor a divisão - injusta - das responsabilidades de forma igual entre desiguais; os chamados ``emergentes``, o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), que, no geral, se desenvolvem adotando o mesmo modelo baseado no uso intensivo de energias fósseis e no consumo perdulário; e os países mais pauperizados da África, Ásia, Oceania e Américas que, a despeito de serem os menores emissores de CO2, já são, hoje, os mais atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas (desertificação, inundações, etc.). Essa soma-zero explica o fato dos maiores emissores (China e EUA) não terem desejado a definição de metas obrigatórias de redução. Não há um Planeta B. Daí a frustração e os protestos dos movimentos sociais, que, ao denunciarem as causas político-econômicas do fracasso, foram o ponto alto da COP 15.

No Brasil, as contradições ficam mais evidentes. No Congresso, uma aliança entre PT e PMDB entregou a comissão de reforma (leia-se desmonte) da legislação ambiental para os ruralistas, que - com sua maioria avassaladora - tem a presidência, com o PCdoB na relatoria. Portanto, devemos, desde já, nos preocupar com o destino do Código Florestal, da Política Nacional do Meio Ambiente e da Lei de Crimes Ambientais. Aliás, pouco antes da COP, o governo editou o Decreto 7.029, que, dentre outras barbaridades, anistia os desmatamentos ilegais.

O mais grave, porém, é a aposta do País nas energias fósseis. O pré-sal é um exemplo, mas não só. O Plano Decenal de Energia (2008/2017) prevê que o uso de termelétricas movidas a óleo combustível deve passar de 0,9% para 5,7% e a energia gerada por térmicas a carvão vai passar de 1,4% para 2,1%. Ora, se as emissões brasileiras de GEE aumentaram 62% entre 1990 e 2005, o que podemos esperar para 2020, com anistia de desmatadores, exploração do pré-sal e térmicas a carvão e óleo?

Onde, então, a esperança? Voltemos à Copenhague dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, de juventude, ongs e partidos, que denunciam os pressupostos dessa sociedade, que - fundada na exploração sem limites da natureza e do ser humano - é responsável pela atual crise climática e ambiental. Para salvarmos a vida - inclusive a de nossa espécie - no Planeta, é preciso, nas palavras do presidente-índio Evo (ecoando a voz de centenas de milhares), nos salvarmos do sistema que a destrói: do capitalismo, de seu modo de vida, de sua economia, de sua civilização, de sua ética e valores.


JOÃO ALFREDO TELLES MELO
Advogado, professor, vereador pelo PSOL, em Fortaleza e militante ecossocialista.
joaoalfredotellesmelo@gmail.com

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